No ano de 2016, a COOPERAR através do convênio Nº 12/2016 em conjunto com a Secretaria Municipal de Agricultura, Pecuária e Pesca (SECAPP) do município de Maricá – RJ, firmou a parceria que institui o desenvolvimento de produção de alimentos saudáveis impulsionando e fortalecendo a Constituição Municipal, quando desde 2016, inicia-se um trabalho pioneiro, com a instalação de uma Unidade Experimental de Agroecologia, localizada no Bairro São José de Imbassaí, loteamento Manu Manuela.
A unidade possui cerca de 0,31 hectares, organizada em três estratégias de produção, sendo: Sistema de Mandala com nove círculos, canteiro retos e sistema de Aléias onde ficam os alimentos de produção temporária (anuais).
Histórico de inundações
No município Maricá o clima, como descrito anteriormente, é classificado como tipo Aw (KÖPPEN e GEIGER, 2019), ou seja, quente e úmido, com estação chuvosa no verão e seca no inverno. A estação chuvosa inicia-se na primavera, culminando no verão entre os meses de dezembro e janeiro, quando ocorre intensa precipitação pluviométrica, correspondendo a 60% do total anual, normalmente não excedendo os 171 mm/mês. Em fevereiro, há uma queda no volume das chuvas. Entretanto em março também se registram chuvas intensas. A menor precipitação se dá nos meses de julho e agosto, quando fica abaixo de 60 mm. A temperatura média é de 22° C, uma vez que os meses de janeiro e fevereiro são os meses mais quentes e junho o mais frio.
A unidade Agroecológica do Manu Manoela se encontra em uma área classificada como de alta e média susceptibilidade a enchentes e inundações (SEABRA e ROCHA-LEÃO, 2019). De acordo com os autores SEABRA e ROCHA-LEÃO (2019), a tipologia de solos da região onde está instalado a Unidade dificulta a infiltração e a drenagem das águas provenientes da chuva, além de se caracterizar pela proximidade do lençol d’água com a superfície do terreno, aumentando ainda mais os problemas relacionados com as enchentes e inundações. Ou seja, para além do comportamento das chuvas o solo não consegue absorver a água pluvial devido às suas características físicas de drenagem, fazendo assim necessário um plano de ação para drenagem das chuvas no solo em que se consiga manter a qualidade do solo alcançada pelo manejo desenvolvido na área ao longo do período de três anos.
Especificamente na Unidade Agroecológica Manu Manoela entre 2017 e 2020 houve cinco enchentes. O primeiro registro de alagamento na Unidade de Produção Agroecológica Manu Manoela foi no período de junho de 2017 ficando a área submersa por oito dias. Em fevereiro de 2018, período característico de muitas chuvas no município, a área ficou novamente submersa por um período de 9 dias . Em abril de 2019 houve chuvas que deixaram a área da unidade de produção submersa mais uma vez, mas desta vez por um período de 15 dias . Repetidamente em maio de 2019 houve chuvas que submergiram a área da unidade . No período de 7 de maio a 18 de maio de 2019 houve sucessivas chuvas que submeteram a unidade ao alagamento e deixaram o solo submerso por 18 dias, se caracterizando no quarto período de alagamento . Em janeiro de 2020, período onde as quantidades de chuvas aumentam na região que deixaram a área submersas por um período de 23 dias
A equipe técnica ao longo convênio atuou principalmente no manejo ecológico do solo, que permitiu ao longo desses anos à recomposição da viabilidade produtiva local, visto que a área apresentava características físicas, químicas e biológicas aquém do necessário para o cultivo de hortaliças e outras cultivares. Desde a primeira inundação e ao longo do período do convênio Nº 12/2016 o corpo técnico da COOPERAR participou de diferentes espaços de discussão presencial na sede da SECAPP, onde discutiu alternativas diferentes ao aterramento, como por exemplo, um possível projeto de drenagem à Unidade de Produção Agroecológica como intervenção mais indicada para garantir as condições produtivas locais sem causar danos ambientais.
Tendo em vista todo o histórico de alagamentos da área onde se localiza a Unidade Agroecológica, poucas semanas após o último alagamento de janeiro de 2020, que pela terceira vez provocou a perda na produção da unidade. No início de fevereiro a equipe foi comunicada, que em toda a área onde está compreendida a Unidade seria realizada uma obra de intervenção, para aterramento e elevação do nível do solo no local, com o objetivo de evitar futuros alagamentos.
O histórico de inundações comprova a dificuldade em manter a unidade produzindo ao longo do ano. É importante sistematizá-la no contexto atual, pois o aterramento surgiu como alternativa para a melhoria das condições produtivas locais. Porém, não há como mensurar as alterações morfológicas, estruturais e bioquímicas que essa intervenção ocasionou no território.
Etapas de elaboração do diagnóstico para o plano de recuperação
1 – Levantamento de dados
A primeira etapa realizada foi o levantamento de dados, em seguida os dados produzidos foram sistematizados na elaboração de uma proposta de intervenção e só assim será iniciada a execução e implantação do novo sistema de produção na unidade Manu Manuela.
Durante a primeira etapa de Levantamento de Dados, foram realizadas em laboratórios especializados, as análises químicas e físicas do solo. Com objetivo de identificar possíveis contaminantes como metais pesados, avaliar a fertilidade, através dos elementos essenciais para o desenvolvimento das plantas e a avaliação da estrutura atual do solo. A Equipe Técnica realizou a identificação do perfil do solo presente na unidade, com base no Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (EMBRAPA, 2006).
Além de metodologias participativas, de análise da capacidade de infiltração do solo e presença de microbiota, também foi realizado o levantamento de plantas espontâneas e indicadoras, através da coleta e reconhecimento delas, possibilitando trazer informações específicas sobre as características físicas e químicas atuais do solo. Essas metodologias participativas a equipe pode realizar junto aos permissionários, pois amplia a compreensão e formação com eles sobre a dinâmica do solo, e o manejo ecológico dele, aliando o conhecimento científico ao conhecimento popular.
Análise de plantas espontâneas indicadoras
Observou-se a existência de cerca de 15 espécies, de plantas espontâneas, evidenciando diferentes composições de solo incorporados na área. As plantas espontâneas são ecótipos, ou seja, surgem porque encontram condições favoráveis que lhes permitem crescer e multiplicar. Portanto, são plantas que indicam algo, plantas indicadoras (PRIMAVESI, 1992)
O levantamento de plantas espontâneas e indicadoras, através da coleta e reconhecimento dessas plantas, possibilita a obtenção de informações específicas sobre as características físicas e químicas atuais do solo. Ampliando a compreensão sobre a dinâmica do solo, e o manejo ecológico dele, aliando o conhecimento científico ao conhecimento popular.
A disponibilidade de nutrientes, a alta concentração de alumínio trocável, assim como o baixo pH do solo podem atuar como filtros na seleção dessas plantas, já que elas respondem de forma individual às variáveis ambientais nas quais estão inseridas. Desse modo, essas plantas podem indicar indiretamente a qualidade do solo (FERREIRA et al; 2009).
Análise do solo
Com objetivo de identificar possíveis contaminantes e avaliar a fertilidade do solo, através dos elementos essenciais para o desenvolvimento das plantas e a avaliação da estrutura atual do solo. Foram realizadas coletas de solo para análise, químicas e físicas e encaminhadas para um laboratório especializado.
Além da análise em laboratório, foram realizadas metodologias participativas de análise da qualidade do solo, junto aos funcionários de campo, com a finalidade de avaliar os seguintes indicadores: capacidade de infiltração do solo, presença de microbiota e estrutura do solo, dentre outros. Estas características foram obtidas por observação tátil, visual e olfativa, por meio de uma trincheira que foi aberta na unidade.
A metodologia utilizada , atribui valores correspondentes às características observadas baseada na Tabela de Indicadores da Qualidade do Solo onde encontram-se os indicadores padrão recomendados para avaliação participativa do solo, adaptada para as condições locais. Foram analisados 10 indicadores, para tais, valores de 1 (menos desejável), 5 (valor moderado) e 10 (mais desejável) foram estabelecidos por Nicholls et al. (2004). Para notas diferentes de 1, 5 e 10 foram estabelecidas notas intermediárias baseadas na experiência dos avaliadores dos indicadores e no conhecimento de características específicas da região.
Tabela demonstrativa dos atributos de indicadores de metodologia participativa de análise de solo:
Indicadores | Nota |
1. Plantas indicadoras | 1 |
2. Profundidade do horizonte A do solo | 10 |
3. Estrutura | 8 |
4. Compactação | 5 |
5. Cor, odor e matéria orgânica | 5 |
6. Retenção de água | 5 |
7. Cobertura do solo | 3 |
8. Erosão | 7 |
9. Presença de invertebrados | 2 |
10. Atividade microbiológica | 5 |
2 – Sistematização e análise dos resultados
Durante a segunda etapa do diagnóstico, os dados levantados foram sistematizados a partir da interpretação das análises laboratoriais, bem como das análises participativas realizadas pela equipe em campo.
Após a sistematização dos dados, foi traçado um perfil de aptidão do solo, baseado na capacidade de intervenção para melhoria da qualidade, através da adubação orgânica, calagem e uma estratégia de manejo que o objetivo de produção caminhe paralelo a recuperação da fertilidade e estrutura do solo.
Com os resultados da aplicação da metodologia participativa foi confeccionado gráfico tipo “radar”, fornecendo uma impressão visual com grande utilidade didática dos indicadores, apresentando a distância entre o sistema real e o previamente definido como “ideal” para as condições avaliadas.
3 – Elaboração e execução da proposta de recuperação aliada à produção
Feito a sistematização dos dados a terceira etapa foi caracterizada principalmente pela elaboração de uma proposta de manejo e execução das atividades, que tem como objetivo, e implantação da proposta de intervenção.
A atual conjuntura emergencial necessitou que fosse otimizado todo trabalho, colaborando para a produção de alimentos saudáveis para a população. Sendo assim, a Equipe Técnica preocupada em responder o mais rápido possível a demanda de produção, executou o planejamento e o plantio gradual aliado a uma proposta de recuperação do solo, utilizando diversas espécies de importância alimentar e adubação verde , que são tolerantes e possuem a capacidade de estabelecimento em condições de solo de baixa fertilidade e acidez e tolerantes a seca, para que durante essa fase de preparo e recuperação do solo, também fossem produzidos alimentos.
No plano de recuperação da fertilidade do solo , a partir da análise química a equipe optou por fazer um processo gradual da calagem na área. Na outra metade da área a equipe optou por iniciar os plantios antes da calagem, utilizando espécies tolerantes a um dado nível de acidez e baixa fertilidade, reforçando o compromisso da equipe em otimizar o tempo de uso do solo e produzir alimentos. Nessa última área a calagem será realizada após o primeiro ciclo das culturas que foram inseridas .
Foram inseridas plantas de adubação verde, com função de cobertura rápida do solo, aporte de nitrogênio e carbono orgânico. No entanto, aquisição de sementes de adubação verde é um fator limitante no estado do Rio de Janeiro, pois não há empresas que produzem para comercialização em grande escala, desta forma, a COOPERAR realizou uma articulação com o Sistema Integrado de Produção Agroecológica (SIPA), também conhecido como Fazendinha Agroecológica Km 47, um espaço motivador de pesquisas e exercício de agroecologia, para obter parcerias e empréstimos dessas sementes. A Fazendinha Agroecológica forneceu sementes de Mucuna Verde (Mucunapruriens var. utilis), Mucuna Preta (Mucunapruriens), Mucuna Cinza (Mucunapruriens (L.)), Feijão Guandu (Cajanuscajan L.), Crotalária Juncea (Crotalariajuncea L.) e Crotalária Spectabilis (Crotalariaspectabilis).
O croqui proposto, apresenta a metodologia que está sendo construída para recuperação da área. Foi realizado o plantio de banana (Musa), cana de açúcar (Saccharumofficinarum), Batata Doce (Ipomoea batatas) foi realizado o plantio de três variedades (cenourinha, roxa e branca), quiabo (Abelmoschusesculentus), jiló (Solanumgilo), além de girassol (Helianthusannuus), na borda da rua de toda área.
Alinhado com essa proposta da atual conjuntura de pandemia a cooperar resgata um pilar norteador da Agroecologia que é a relação entre a saúde e a natureza. E com objetivo de aproximar a população do município com a discussão de plantas medicinais e manutenção da saúde, a equipe propõe e executa uma canteiro em espiral de plantas medicinais e canteiros triangulares de PANC’s (Plantas Alimentícias Não Convencionais), espaços onde a população vai poder conhecer a função medicinal e alimentícia de diversas plantas .
Foi elaborado um levantamento de espécies e suas características a serem utilizadas nos canteiros, plantas escolhidas a partir da sua adaptação ao ambiente e da sua multifuncionalidade, algumas funcionam como medicinais mas também são ornamentais e alimentícias. A proposta de trazer para a população os saberes agroecológicos envolvidos nos múltiplos usos dessas plantas, se complementa através do proposta pedagógica elaborada dentro deste termo de cooperação que tem as plantas medicinais como um dos temas, portanto o espiral de ervas medicinais da Unidade Manu Manuela poderá ser um laboratório vivo e um espaço de formação prática.
A COOPERAR segue no acompanhamento da área Manu Manuela, realizando avaliações periódicas a medida que a qualidade do solo evolui em cada ciclo o planejamento seja adaptado para culturas de maior exigência, tornando a área um laboratório vivo de produção de alimentos saudáveis, como alta biodiversidade novamente. Sendo um espaço cada vez mais potente de diálogo como os moradores do município de temas como a agroecologia, soberania alimentar, alimentação saudável, e saúde.